CORPO E MÍDIA: UMA COMPREENSÃO MULTIRREFERENCIAL DA EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO

Eduardo Ribeiro Dantas (UFRN)

Terezinha Petrucia Da Nóbrega

1. Introdução

1.1. Configuração da Problemática

Grande parte da população mundial faz hoje em dia, uso das novas tecnologias da informação e da comunicação surgidas e ampliadas nos últimos anos, tais como a Internet e a telefonia móvel. É nesse contexto então, de um mundo cada vez mais interligado pela utilização desses objetos técnicos, que passamos a vivenciar o fenômeno chamado sociedade da informação. Nessa sociedade, o acesso à informação e à comunicação é muito maior do que foi em qualquer outra época da história humana. Segundo Assmann (1998b), o conceito de sociedade da informação está intimamente ligado a novas experiências do espaço e do tempo.

Por um outro lado, as sociedades contemporâneas não são formadas apenas por essa nova perspectiva da informação. Elas são constituídas por redes intrincadas de fenômenos, que interagem uns com os outros. Batizá-las dessa ou daquela forma, não as isentam dessas relações. É o caso da sociedade da informação, que cresceu impulsionada pela produção de uma sociedade tecnológica, e pelos apelos de uma sociedade de consumo, entre tantas outras características que possivelmente participaram desse processo. Isso só demonstra a complexidade do momento em que vivemos.

Como conseqüência dessas mudanças sociais pelas quais passamos, vemos a realidade corporal do ser humano ser modificada, através das novas tecnologias da informação e da comunicação, assim como também, através das chamadas biotecnologias, tais como as próteses e os transplantes. Dessa forma, o nosso corpo vem sofrendo um duplo impacto, que mostra o paradoxo pelo qual ele passa atualmente. Ao mesmo tempo em que não é mais tão essencial para que as novas formas de nos comunicarmos se concretizem, é agora constantemente chamado a se modificar, pelos recursos biotecnológicos existentes.

Virtualizado pelas novas tecnologias da informação e da comunicação, o corpo vive uma outra situação paradoxal. Mesmo não estando presente, está em vários lugares ao mesmo tempo. Mas essa virtualização não é sinônimo de irrealidade. Segundo Lévy (1996), o virtual se opõe ao atual e não ao real. Isso quer dizer que um corpo virtualizado não é irreal, ele apenas não está atualizado num determinado momento e espaço. Ele se encontra desterritorializado.

Os avanços vistos na sociedade da informação, estão pois, possibilitando um manuseamento corporal nunca visto até então. Inúmeras e cada vez mais acessíveis são as formas que o homem contemporâneo dispõe para modificar/transformar o seu corpo. Piercings, tatuagens, implantes, são apenas alguns exemplos de como isso vem crescendo nas sociedades atuais. Essas novas tecnologias vêm possibilitando inovações nas mudanças corporais, inaugurando outras maneiras de se viver o corpo. Celebrados pela mídia ou ainda marginalizados, esses novos corpos vêm desafiando os limites da ciência, pondo em questionamento até mesmo o conceito que temos do humano. Para Lévy (Op. Cit.), o corpo virtualizado pelas tecnologias na sociedade da informação, convida a todas as trocas e viagens.

Porém, existe em nosso corpo, o que podemos chamar de uma identidade imunossoma, ou identidade imunocorpo (Varela, 1999). Isso talvez impeça que ele passe por todas as trocas a que é convidado, já que possui uma identidade própria, que o faz, entre outras coisas, recusar tecidos que não reconheça como seus.

Todas essas transformações na realidade corporal, proporcionadas pelas tecnologias existentes atualmente, especialmente as que agem modificando o corpo, necessitam ser compreendidas, por poderem estar implicadas no surgimento de uma nova corporeidade no cenário global. E devem ser compreendidas não só através da produção científico-tecnológica que aparece nesse cenário, mas também, pela veiculação dessa produção pela mídia, poderosa formadora de opiniões. Segundo Fischer "Um dos espaços da cultura em que se torna mais visível o processo de construção social de identidades talvez seja o da mídia e, particularmente, o da publicidade" (1999, p. 21).

As mudanças na vivência cotidiana do corpo podem dar suporte então, para o aparecimento, na sociedade da informação, de novas subjetividades, identidades e relações sociais, já que a nossa realidade corporal também é complexa. Essas compreensões de como o corpo se situa na contemporaneidade, poderão dar pistas sobre a construção da corporeidade nos dias atuais, quando é considerada uma instância produtora de subjetividades.

No campo da educação, a sociedade da informação também modifica alguns conceitos que tínhamos até então. Vemos uma participação intensa da mídia no processo educativo das pessoas, mostrando com isso, que a educação torna-se um fenômeno multirreferencial. A escola, a família, a indústria, a própria vida cotidiana, entre outros, também respondem pela educação nessa sociedade. Para compreendermos uma realidade complexa como a educação na sociedade da informação, que pode ter na mídia elementos pedagógicos relevantes para a formação do ser humano, devemos levar em conta então, a sua multirreferencialidade. Como exemplo disso, vemos a veiculação de matérias sobre esportes de alto rendimento pela mídia, que colabora imensamente para a construção do significado de corpo dos leitores, mesmo sendo feita em páginas esportivas, aparentemente não tendo nada a ver com a educação. A educação na contemporaneidade, deve passar então, por uma auto-analise multirreferencial.

1.2. Objeto e Questões de Estudo

Considerando que, na contemporânea sociedade da informação, a construção da corporeidade pode ser compreendida como um processo educativo multirreferencial, indagamos sobre os impactos do agenciamento do corpo veiculado pela Revista Boa Forma. Nesse sentido, para nortear o processo de pesquisa elaboramos as seguintes questões:

  1. De que modo a produção científica e tecnológica referente às transformações corporais são divulgadas através deste veículo de comunicação?
  2. Como se articula o agenciamento do corpo com a perspectiva do consumo no conteúdo da Revista Boa Forma?
  3. Quais os possíveis impactos desses eventos de agenciamento do corpo divulgados pela Revista Boa Forma sobre a construção da corporeidade e a produção de identidades individuais e sociais?
  4. Considerando a multirreferencialidade, como a Educação pode dialogar com os novos contextos de produção de identidades individuais e sociais configurados pelas tecnologias de comunicação e reconstrução corporal na sociedade da informação?

1.3. Objetivo do Estudo

O principal objetivo desta investigação é identificar e interpretar as idéias sobre corpo difundidas pela Revista Boa Forma, no sentido de compreender possíveis impactos sobre a corporeidade e apontar perspectivas de configuração de novos ambientes produtores de identidades e novos cenários educativos.

2. Metodologia

Esta é uma pesquisa descritiva, do tipo análise de documentos, mais especificamente documentos de comunicação de massa. O seu objeto de estudo é a revista Boa Forma – uma publicação mensal da Editora Abril, especializada em Fitness e direcionada ao público feminino, que conta com quinze anos de existência no mercado brasileiro. Como amostra para a sua investigação, foram selecionados os doze exemplares dessa revista, comercializados no ano 2000. Como referência metodológica para a sua realização, escolhemos a abordagem fenomenológica-hermenêutica.

Como técnica de pesquisa estamos utilizando a análise de conteúdo. Ela é atualmente um "conjunto de instrumentos metodológicos cada vez mais subtis em constante aperfeiçoamento, que se aplicam a "discursos" (conteúdos e continentes) extremamente diversificados" (Bardin, 1979, p. 9). Dentre as técnicas existentes na análise de conteúdo, escolhemos especificamente a análise categorial, que é cronologicamente a mais antiga e na prática a mais utilizada (Bardin, Op. Cit.). Ela "funciona por operações de desmembramento do texto em unidades, em categorias segundo reagrupamentos analógicos" (Bardin, Op. Cit., p. 153).

A categorização nesse tipo de análise, pode ser feita de diferentes maneiras, sendo que "entre as diferentes possibilidades de categorização, a investigação dos temas, ou análise temática, é rápida e eficaz na condição de se aplicar a discursos directos (significações manifestas) e simples" (Bardin, Op. Cit., p. 153). As diferentes fases da análise de conteúdo organizam-se em torno de três pólos cronológicos: (a) a pré-análise; (b) a exploração do material; (c) o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (Bardin, Op. Cit.). Após a leitura prévia dos documentos selecionados, determinamos que o corpus do nosso estudo seria constituído pelas 24 matérias sobre transformações corporais mais ricas em termos de elementos para a nossa pesquisa.

A unidade de registro é o elemento da comunicação que serve de base para a investigação. Para a nossa pesquisa, escolhemos os temas – ou núcleos de sentido – como unidades de registro e de contexto. A análise temática requer um recorte do sentido e não da forma, como ocorre com as análises lingüísticas, que usam palavras ou frases como unidades (Bardin, Op. Cit.). Para a nossa pesquisa, os tipos de enumerações escolhidos foram aqueles que dizem respeito à ausência ou à presença das unidades de registro ou de contexto, e à freqüência das mesmas no corpus selecionado. Por termos escolhido uma análise temática do conteúdo da revista Boa Forma, o critério da nossa categorização será semântico, ou seja, criaremos categorias que reunam os diversos temas encontrados, sob títulos conceituais.

Na nossa análise, utilizaremos operações estatísticas simples, como as percentagens, para basearmos o nosso trabalho de interpretação e de compreensão dos textos. Na atual fase da nossa pesquisa, estamos terminando de colher as unidades de registro e de contexto das matérias selecionadas. Isso está sendo feito da seguinte maneira: estamos isolando os núcleos de sentido sobre a questão das transformações corporais de cada matéria selecionada, transformando o discurso maior, ou seja, toda a matéria, em um discurso menor, que aborda especificamente as questões do corpo. A seguir, iremos apontar os indicadores que esses discursos revelaram, para então criarmos as categorias de análise e partirmos para a fase final de inferência e interpretação dos dados.

3. Referências Bibliográficas

ASSMANN, H. (1998b). Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Petrópolis: Vozes.

BARDIN. L. (1979). Análise de conteúdo. Lisboa: Persona Edições.

BURNHAM, T. F. (1998). Complexidade, multirreferencialidade, subjetividade: três referências polêmicas para a compreensão do currículo escolar. In: Barbosa, J. (org.) (1998). Reflexões em torno da abordagem multirreferencial. São Carlos: EdUFSCar.

FISCHER, R. M. B. (1999). Identidade, cultura e mídia: a complexidade de novas questões educacionais na contemporaneidade. In: SILVA, L. H. (Org.). Século XXI: qual conhecimento? Qual currículo? Petrópolis : Vozes.

LÉVY, P. (1996). O que é o virtual? Rio de Janeiro: Ed. 34.

VARELA, F. (1999). O Eu do corpo. In: GOLEMAN, D. (Org.) Emoções que curam: conversas com o Dalai Lama sobre mente alerta, emoções e saúde. Rio de Janeiro: Rocco.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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